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Pesquisa feita na Alemanha, uma das escalas de Bush na Europa, constatou que o presidente americano é batido em popularidade até por Putin, o presidente russo, cuja imagem externa não é das melhores. "Bush só nos traz guerras", disse um dos populares entrevistados pela televisão.
Houve esforço, por parte de ambos os lados, em mostrar feridas cicatrizadas. Foi previamente acertado, entre europeus, que Bush não seria pressionado em temas polêmicos como a ausência dos Estados Unidos do tratado de Kyoto (de redução das emissões de gases venenosos) e do Tribunal Penal Internacional, a cargo de crimes contra a humanidade.
O que tem acentuado divisões entre Europa e Estados Unidos vai muito além, em profundidade, de questões de segurança como Iraque e Irã. Os números da consulta aos alemães podem dar o tom. Bush conseguiu um bom nível de diálogo com as principais lideranças européias. Continuou de fora, no entanto, das mentes e corações do velho e calejado continente. Um colunista do "New York Times", Thomas Friedman, um dos poucos liberais americanos a apoiar a invasão do Iraque, com o argumento de que nem tudo que Bush faz é ruim, chamou a Europa de enorme "blue state"
São "azuis" os Estados que votam contra os republicanos, como Nova York, que deveria declarar-se independente diante da onda conservadora e repressiva, segundo o escritor Paul Auster. Estados Unidos e Europa se debatem com choques culturais que se tornam agudos e isso produz mais hostilidades do que o unilateralismo de Bush. Friedman observa que perdeu vigência a ressalva européia de que ser contra Bush não é ser anti-americano. Talvez isso se aplicasse ao primeiro mandato, conseguido de forma duvidosa, sem maioria de votos populares. Não é o caso do segundo mandato.
Bush reelegeu-se de forma categórica e a distinção se torna um problema. Dois fatos recentes dão uma idéia do choque cultural entre Europa e Estados Unidos. Num pacote de reformas sociais o governo espanhol passou a reconhecer os casamentos gays. No Estado americano da Virginia a assembléia estadual decidiu que seria multado em 50 dólares, por "comportamento indecente", quem usasse "jeans" caídos na cintura em níveis que permitissem ver roupas de baixo. O voto contrário do Senado estadual não eliminou o fato de que foi possível construir forte coligação favorável à punição. O governo Bush incentiva, entre outros "moral values", a virgindade pré-nupcial.
Mesmo os europeus mais conservadores não se alinham ao modo como Bush, e seus eleitores dominantes nas urnas, encaram a religião, armas de fogo, homossexualismo, pena de morte, seguridade social, ambiente e aborto. Bush termina seus discursos com "God bless you", o Deus te abençoe, coisa inimaginável num dirigente europeu. Em pelo menos 17 Estados americanos, revela assustado o "National Center for Science Education", ciência e religião se confrontam na montagem de currículos escolares. Entra em cena, com forte cobertura política, o "intelligent design", versão moderna do criacionismo, do Deus criou o mundo em sete dias, no original.
A teoria da evolução, de Darwin, peça científica, iria perdendo o certificado de validade escolar. Referendo no Kansas, no coração dos Estados Unidos, baixa a guilhotina. Por iniciativa da França e de outros vinte países tramita na Unesco uma convenção internacional de proteção da diversidade cultural. Os Estados Unidos, com recursos suficientes para modelar a pop-cultura universal, são agressivamente contra. Não se falou nisso na visita de Bush à Europa.